Cresce o PCOT na Tunísia

A revolução não acabou na Tunísia. Ela continua e uma dura luta de classes está sendo travada entre as forças reacionárias – sobreviventes do velho regime – e as forças revolucionárias unidas na Frente 14 de Janeiro. Para desvendar essa luta e compreender as causas do levante popular na Tunísia, A Verdade publica entrevista com Hamma Hammami, porta-voz e fundador do Partido Comunista dos Operários da Tunísia (PCOT).

A derrubada do ditador Ben Ali

Estamos no meio de uma revolução, quer dizer, a revolução continua. Em 14 de janeiro, o povo derrubou o ditador Ben Ali depois de um mês de luta heroica. Nos livramos do ditador, mas não da ditadura, que permanece em reconstituição, nas instâncias jurídicas, no Parlamento e no Senado, no aparato estatal e, sobretudo, policial, enfim, em todo o aparato burocrático.

Hamma Hammami - PCOT O povo tunisiano não se livrou ainda da asfixia social e econômica exercida por uma minoria burguesa. Quer dizer, depois da queda de Ben Ali, o governo continuou composto por elementos do aparato e do partido do ditador. Esse governo foi ampliado com alguns membros reformistas e liberais da oposição, essencialmente de dois partidos, o antigo partido revisionista, que se converteu em partido reformista e que chegou a colaborar com Ben Ali, e o partido pseudo-liberal chamado Partido Democrático Progressista (PDP), formando um governo autodenominado de “União Nacional”.

Assim, a luta continuou contra o governo da “União Nacional” dirigido pelo ex-primeiro-ministro de Ben Ali, Gannouchi. Mas esse governo não pode resistir ao avanço da luta popular e caiu duas semanas depois da fuga de Ben Ali.

O mesmo primeiro-ministro Gannouchi formou um novo governo. Era um governo essencialmente reacionário, que se esconde com algumas reformas. Conseguimos alguns espaços de liberdade de expressão, de reunião e de manifestação. construímos centros de Poder Popular, as “Assembleias para a salvaguarda da revolução”. Esses novos poderes populares estão se organizando cada vez mais e conseguiram impor algumas reivindicações ao governo.

Por outro lado, o movimento revolucionário, popular, se radicaliza e quer uma República Democrática. Neste marco, a confrontação entre o movimento popular e o governo provisório se acentuou.  Lançou-se a palavra de ordem de derrotar o governo provisório; convocar uma assembleia constituinte e avançar para a república democrática, parlamentarista. Com estas consignas se multiplicaram as concentrações. O governo se viu obrigado a fazer concessões, porém, conseguiu manter-se.

Um ponto de debilidade foi a falta de uma direção única em escala nacional. Especulou-se muito sobre o caráter espontâneo da revolução, mas não foi, de fato, algo espontâneo, no sentido de uma falta de consciência ou uma falta total de organização.

A unidade das forças revolucionárias

Esta revolução tomou um caráter popular muito amplo, e, em cada região, havia militantes políticos, sindicalistas, lutadores dos Direitos Humanos, etc., que participaram e dirigiram as lutas como fez nosso Partido. Havia um grau de consciência, de organização, que permitiu ao movimento resistir frente à repressão, que permitiu ao movimento encontrar em cada momento as bandeiras adequadas e as formas necessárias.

Em outro terreno o movimento revolucionário obrigou, na prática, a esquerda a se unir. Com o desmoronamento de Ben Ali, as forças revolucionárias de esquerda e os nacionalistas se uniram na Frente 14 de Janeiro. A Frente agrupa as forças que se enfrentam com o governo, em diferentes graus, partidos políticos, nacionalistas, sindicatos, que logo se uniram para a criação do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Revolução.

A partir desse momento, em que pese a infinidade de problemas, de concessões que tivemos que fazer discussões, etc., conseguimos somar as forças da revolução e avançar juntos, provocando a queda do segundo governo provisório.

Agora nos encontramos numa nova fase em que as forças da revolução devem acabar com todos vestígios da ditadura. Esta nova fase acaba de começar com a nomeação de outro primeiro-ministro, Beji Kaied Sebsi, que prometeu submeter-se à vontade do povo tunisiano para eleger uma Assembleia Constituinte nas eleições que se celebrarão em 26 de julho deste ano.

A eleições para a Constituinte

O partido de Ben Ali foi juridicamente dissolvido, o que é também uma vitória do povo. A Constituição já não está mais vigente; foram reconhecidos e legalizados partidos e outras organizações, e esperamos que o PCOT também seja nos próximos dias. Muitos dos antigos responsáveis serão julgados. O governo se vê obrigado a fazer concessões, mas persistem elementos da ditadura que, ainda estão lá, como a polícia política, a administração, o aparato judicial, que deverão ser radicalmente mudados.

O governo de Sebsi tem pressa em preparar as eleições para a Assembleia Constituinte, mas não num marco democrático, e sim longe do povo, sem a participação direta das forças da revolução. As forças revolucionárias devem preparar as eleições num clima verdadeiramente democrático, para o qual deverá dissolver a polícia política; derrotar o arsenal jurídico, na espera de uma nova estrutura para o país, decidida pela Constituinte; tomar medidas concretas sobre a administração, a Justiça, também sobre o aparato midiático, democratizá-lo para garantir o processo.

Revolução na Tunísia

O caráter da revolução

Se queremos caracterizar esta revolução, diríamos que é uma revolução pequeno-burguesa, democrática, porque a classe operária não esteve massivamente presente, os trabalhadores participaram no marco sindical, e também em nível individual, mas a classe operária não pôde assumir seu papel dirigente nesta revolução.

A revolução se lançou contra a ditadura, contra a grande burguesia que vendeu o país ao imperialismo e arruinou, poderíamos dizer, a dignidade do povo tunisiano. Por exemplo, o povo não podia manifestar-se livremente para apoiar a resistência palestina, ou para denunciar o imperialismo ianque ou francês.

Nós queremos libertar-nos do regime, queremos que o poder político seja um poder popular. Queremos libertar nosso país do jugo do imperialismo.  Nosso trabalho como partido e como Frente14 de Janeiro vai no sentido de aprofundar o processo revolucionário, tanto no plano político como no econômico e social, apoiando-nos nas estruturas revolucionárias que se criaram no país.

O papel dos comunistas

Nosso Partido, o Partido Comunista dos Operários da Tunísia (PCOT), desempenhou um papel muito importante na luta contra a ditadura de Ben Ali, desde que este chegou ao poder na Tunísia. Nosso Partido simboliza a resistência contra o ditador. Desde o início da revolução, nosso Partido se distinguiu por sua justa visão, foi o único que viu chegar a revolução e também o único que, neste processo revolucionário, chamou desde o princípio a derrotar Ben Ali.

Em primeiro de janeiro deste ano, analisamos a situação e vimos que era preciso nos prepararmos para tomar o poder, colocou-se a questão do poder, que a derrota de Ben Ali estava ligada à chegada da insurreição dos setores populares da Tunísia. Nesse sentido, trabalhamos duramente. Quando o movimento estalou em 08 de janeiro na capital, o Partido chamou a derrubar Ben Ali em 11 de janeiro.  No dia 14, ele caiu.

O problema que atualmente se coloca ao nosso Partido é o de continuar a dirigir politicamente e organizar-se melhor porque por toda parte há muita gente que quer ingressar no Partido, sobretudo operários. Necessitamos de um patamar muito amplo que corresponda a esta fase da revolução democrática, popular e nacional.

Um das dificuldades que enfrentamos é que os conservadores nos países árabes utiliza a religião na luta contra o comunismo e chamam à vigilância contra os comunistas porque “são ateus”.

A revolução continua

Mas nós preparamos para construir um grande Partido e também sua direção. A grande lição que tiramos é a justeza de nossa linha política. Como dizia Lênin, há que se fugir do dogmatismo. A revolução tem suas próprias leis, há que ter em conta a história dos povos, de sua cultura, quer dizer, cada revolução tem sua própria especificidade, e, se não chegarmos a captar o específico, não poderemos fazer a revolução, e esta não se faz com receitas. O povo tunisiano é aparentemente dócil, mas sua história conta com muitas revoltas e insurreições, e não se pode esquecer que a Tunísia foi o primeiro país do mundo árabe onde se criaram sindicatos e partidos políticos. Na Tunísia a escravidão foi abolida em 1940, antes até que nos Estados Unidos. É um país onde um reformador muçulmano, em 1930, conclamou à igualdade entre a mulher o homem.

Grandes são as tarefas que nos esperam, e, sobretudo, a revolução não está acabada, nem estará com a Constituinte. Vamos continuar. Não pedimos unicamente a democracia política, pedimos também a democracia social, quer dizer, um novo regime econômico e social, a independência total do país. O processo revolucionário continua.

Nosso Partido se liga mais e mais às massas; a revolução pode radicalizar-se, e nós o faremos para que seja uma revolução popular e nacional, que caminhe em direção ao socialismo.

(Entrevista concedida a Raúl Marco, do Partido Comunista da Espanha M-L)

Retirado de www.averdade.org.br

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