Diante do retumbante fracasso do sistema capitalista e de sua promessa de uma economia globalizada sem crises econômicas, muitos companheiros perguntam por que, sendo o socialismo muito superior ao capitalismo e a nossa causa tão justa, não fazemos logo a revolução para acabar com esse odioso sistema econômico e político?
Para obter uma resposta precisa e correta para essa questão, é preciso, antes de mais nada, analisarmos quais foram as principais condições que determinaram a vitória das revoluções socialistas que ocorreram no mundo.
“Quem debilita, por pouco que seja, a disciplina férrea do partido do proletariado ajuda, de fato, a burguesia contra o proletariado.” (V.I. Lênin)
Comecemos pela primeira e mais importante: a grande revolução socialista soviética de 1917. V. I. Lênin, líder e organizador do Partido Comunista Bolchevique da URSS, ao analisar uma das condições fundamentais para o êxito dos bolcheviques, escreveu:
“Seguramente agora quase todos vêem que os bolcheviques não teriam se mantido no poder, não digo dois anos e meio, mas nem sequer dois meses e meio, sem a disciplina rigorosíssima, verdadeiramente férrea, no nosso partido, sem o apoio mais completo e abnegado a ele por toda a massa da classe operária, isto é, por tudo o que ela possui de consciente, honrado, influente, capaz de atrair as camadas atrasadas. (…) Mas como se mantém essa disciplina no partido revolucionário do proletariado? Primeiro, pela consciência da vanguarda proletária e pela sua dedicação à revolução, pela sua firmeza, pelo seu espírito de sacrifício, pelo seu heroísmo.” (Lênin, O esquerdismo, doença infantil do comunismo).
Portanto, sem uma disciplina rigorosíssima do partido e sem o apoio incondicional de toda a massa, não é possível a vitória da revolução.
Um dos obstáculos para alcançar essa disciplina férrea no partido é, sem dúvida, o individualismo. Afinal, o Partido Comunista precisa ser construído no interior de uma sociedade burguesa cujo princípio moral é “Primeiro cuida de ti, para depois pensar nos outros”.
Com efeito, como o capitalismo é um sistema econômico baseado na exploração do homem pelo homem, não é possível nele a melhoria da vida de todas as pessoas. Assim, para manter a ilusão nesse regime econômico, a burguesia procura convencer a maioria explorada de que o segredo do sucesso é “não se importar em pisar nas outras pessoas nem com o sofrimento de ninguém”.
Variadas são as formas, tais como filmes, novelas, canções, revistas e jornais, escolas e universidades, que a burguesia utiliza para propagandear essa sua moral. Por isso, é comum vermos reportagens na TV destacando pessoas que colocaram seus projetos pessoais acima de qualquer coisa e que “venceram na vida e hoje vivem felizes”. Não importa quantos ficaram infelizes para que isso acontecesse ou quantos trabalhadores ficaram desempregados, o que interessa é que aquela pessoa conseguiu seu objetivo: ficou rica! Ser feliz é sinônimo de ter muito dinheiro e de poder comprar o que quiser, inclusive, o amor.
Um exemplo sempre citado pelos meios de comunicação burgueses é o do bilionário norte-americano Bill Gates, dono da Microsoft, empresa proprietária do programa Windows. Entretanto, nunca é dito que a Microsoft cresceu graças aos financiamentos recebidos do governo norte-americano, ao acesso que teve às pesquisas tecnológicas da NASA e do Pentágono e à proteção de seu monopólio. Sem esse “empurrãozinho”, Bill Gates em vez de ganhar fortuna e fama, teria sucumbido à concorrência internacional.
Também, para melhor cooptar para sua ideologia, a burguesia e seus porta-vozes promovem a exaltação do individualismo com afirmações como “o projeto pessoal é a coisa mais importante da vida de uma pessoa” e “os desejos e a vontade individual são sempre mais importantes que qualquer anseio coletivo”.
Mas seria possível alguém existir no mundo, se a sociedade não existisse? Como seria a vida desse ser humano se a humanidade não tivesse trabalhado coletivamente e milhões e milhões de pessoas não tivessem lutado e muitas doado suas vidas para que esse “eu”, ou seja, essa pessoa, continuasse existindo?
Que tipo de felicidade é possível quando se sabe que a cada três segundos uma criança morre de fome no mundo, bilhões de indivíduos vivem privados de água e de trabalho e os “donos do mundo” diariamente promovem guerras e assassinam centenas de pessoas?
A essas perguntas, a burguesia responde com os versos da canção Epitáfio de Sérgio Brito, gravada pela banda Titãs:
“Queria ter aceitado / A vida como ela é/ A cada um cabe alegrias/ E a tristeza que vier… O acaso vai me proteger/ Enquanto eu andar distraído/ O acaso vai me proteger/ Enquanto eu andar…”.
Em outras palavras, as tristezas virão de todo jeito, não importa se o homem luta ou não. Então, posso só pensar em mim, ser egoísta, e dormir tranqüilo.
Infelizmente, em virtude das dificuldades da luta revolucionária e das privações que os revolucionários são obrigados a viver numa sociedade capitalista, alguns militantes terminam sendo atraídos por essa moral burguesa – e sua filha dileta, a ideologia pequeno-burguesa – e abandonam seus camaradas, o partido e a causa que juraram defender.
Para aliviarem sua consciência, ou a falta dela, dizem que “no partido comunista não se tem liberdade; um pequeno grupo decide tudo e não se pode ser como se realmente é.”
Levantam, assim, a bandeira da “liberdade”, mas não a da liberdade dos explorados, e sim a liberdade dos ricos explorarem os pobres e dos poderosos massacrarem os trabalhadores.
Outra importante revolução socialista vitoriosa foi a revolução vietnamita, dirigida por Ho Chi Minh e pelo Partido Comunista do Vietnam.
A revolução vietnamita derrotou primeiro o império japonês, depois, em 1945, o imperialismo francês e, na década de 70, impôs a mais profunda derrota já sofrida pelas poderosas Forças Armadas dos Estados Unidos da América.
Tio Ho, como era carinhosamente chamado pelo povo vietnamita, morreu no dia 3 de setembro de 1969, portanto, há quarenta anos, mas deixou vários artigos escritos sobre a necessidade de se imprimir um duro combate ao individualismo para o triunfo da revolução. Vejamos o que Ho Chi Minh escreveu em seu artigo A Nova Moralidade:
“Tendo nascido na sociedade antiga, cada um de nós conserva em si mais ou menos seqüelas dessa sociedade do ponto de vista da ideologia, dos costumes etc. O aspecto mais negativo e mais perigoso é o individualismo. O individualismo é o oposto da moral revolucionária. Por menos que reste ainda na pessoa, o individualismo espera a ocasião propícia para desenvolver-se e eclipsar a moral revolucionária, para impedir-nos a inteira devoção à luta da causa revolucionária.
O individualismo é uma coisa astuta e pérfida: atrai insidiosamente o homem (e a mulher) para uma descida fatal. Sabemos que descer a ladeira é mais fácil que subi-la novamente, por isso o individualismo é ainda mais perigoso.” (A Nova Moralidade)
Não é raro vermos companheiros dominados por esse individualismo. De repente, passam a se considerar tão bons que teorizam que o mais importante não é o partido, mas eles próprios. Quando criticados, lançam um ultimatum ao partido ou ao coletivo de que participam. Não importa se cometeram erros graves ou não, têm a certeza de que qualquer outro erraria mais, assim, merecem elogios.
Vaidosos, querem ser aplaudidos a todo instante e são contaminados por uma preguiça que os impede de estudar e de se perguntar o que podem aprender com os demais companheiros.
Muitas vezes se apresentam maravilhados de si mesmo e superiores a todos os camaradas. Uma vez ou outra dizem que ainda têm muito que aprender, mas o que pensam mesmo é que sabem mais que todos os membros do partido juntos.
Alguns desses camaradas chegam ao ponto de recusarem ir às reuniões, pois sabem que o coletivo irá discutir seus erros e criticar suas atitudes. Querem logo passar uma borracha e seguir adiante como se nada tivesse acontecido. Dizem para si próprios que na hora que quiserem não errarão mais, portanto, não é com eles que o coletivo deve-se ocupar.
É claro que, pouco a pouco, esse comportamento vai afastando esses companheiros do partido, uma vez que eles não se sentem mais obrigados a cumprir as decisões do coletivo e crêem que sozinhos podem encontrar soluções melhores que as adotadas coletivamente.
Esse comportamento individualista trabalha silenciosamente para debilitar a unidade do partido e é incompatível com a moral revolucionária.
De fato, uma condição para a vitória da revolução é exatamente a existência de uma profunda unidade de pensamento e de ação dos militantes. Quanto mais coesão tem um partido, mais e melhor lutará esse partido. A moral comunista está assentada na propriedade comum dos meios de produção, na força do trabalho coletivo e de que seus frutos beneficiem a todos e não apenas uma minoria. A humanidade chegou até aqui graças ao trabalho coletivo. Se dependesse somente de um homem e de seus interesses mesquinhos, a sociedade teria sucumbido há muito tempo.
Além do mais, a fome, a pobreza, a exploração, as guerras e a infelicidade existentes hoje no mundo são resultados de um sistema econômico baseado na propriedade individual dos meios de produção e numa moral que tem como máxima a filosofia do “ou saqueia teu próximo ou este saqueia a ti; ou trabalhas para alguém ou esse alguém trabalha para ti; ou és dono de escravos ou és escravo” (Lênin).
Na verdade, a luta contra o individualismo é uma das principais lutas ideológicas que o partido necessita travar no seu interior. Nesse embate, ele se desenvolve, aprofunda sua coesão e avança sua consciência revolucionária. Por isso mesmo, o partido não pode abrir mão de exigir dos seus membros a disciplina, a honestidade e a dedicação sem vacilação à causa revolucionária.
Porém, como adverte Ho Chi Minh, vivendo numa sociedade burguesa ninguém tem completa imunidade e “o individualismo espera a ocasião propícia para desenvolver-se”; logo, é indispensável que todos os militantes se mantenham vigilantes e dispostos a combater em si e em qualquer companheiro, o individualismo. Pois, só trilhando esse caminho revolucionário, construiremos um partido capaz de derrotar a ideologia burguesa e seus fundamentos econômicos e construir uma sociedade fraterna e verdadeiramente feliz. Dito de outro modo, sem vencer o individualismo e a moral burguesa, o partido não é capaz de comandar o projeto coletivo de transformação social, isto é, realizar a revolução socialista.
Lula Falcão, membro do comitê central do Partido Comunista Revolucionário
Publicado em A Verdade nº 110
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