Esta é uma pergunta fácil de responder: quer tomar o poder, derrubando o atual governo de forma violenta, por meio da subversão da ordem institucional estabelecida no País. Mas a pergunta se refere a uma questão um pouco mais de fundo. A questão é: qual programa, quais medidas, pretende tomar a extrema-direita venezuelana caso consiga realizar seu intento de aplicar um golpe de Estado?
Privatizar a PDVSA
A primeira medida da extrema-direita venezuelana seria privatizar a estatal produtora de petróleo na Venezuela, a PDVSA.
A empresa tem sob seu controle uma das maiores reservas de petróleo do mundo, a recém-nomeada Faixa do Orinoco Hugo Chávez. As previsões sobre a quantidade de petróleo explorável na faixa variam muito em virtude do alto peso do óleo que está associado a dificuldades em retirá-lo da terra. Um relatório do governo dos EUA, datado de 2010, fala em 513 bilhões de barris, mas há quem diga que o volume total pode atingir 1,3 trilhão. É considerada a maior reserva petrolífera do mundo.
Com a aprovação da nova Lei de Hidrocarbonetos, em novembro de 2001, e de acordo com as linhas gerais do Primeiro Plano Socialista de Desenvolvimento Econômico e Social, vigente de 2007 a 2013, a PDVSA passou a incorporar critérios administrativos que vão além da rentabilidade. É com os recursos dela que o governo é capaz de financiar boa parte das ações que seguem reduzindo a desigualdade social na Venezuela, como os programas de missões nos bairros pobres, o aumento das vagas nas universidades, a melhoria geral do nível da educação com a erradicação do analfabetismo, etc.
É bem verdade que os recursos da PDVSA serviram para beneficiar capitais chineses e russos, que também exploram a Faixa do Orinoco e outras áreas petrolíferas na Venezuela. Também é preciso dizer que uma nova burguesia emerge com os negócios do petróleo, beneficiados pelo serviço que prestam à PDVSA. Essas constatações são suficientes para termos a clareza de que não se tratam de mudanças socialistas (no sentido científico e revolucionário da palavra) que estão ocorrendo hoje na Venezuela.
Para a extrema-direita venezuelana, no entanto, é absurdo que qualquer recurso do petróleo sirva para beneficiar os mais pobres, da mesma maneira que para a extrema-direita brasileira é um absurdo que qualquer recurso público sirva para financiar o bolsa-família, por exemplo. Privatizando a PDVSA, todo o recurso volta para as mãos dos grandes capitalistas e do capital estadunidense, que passa a ter preferência nos negócios.
Fazer retroceder as conquistas no campo
Um dos principais fatores de instabilidade na Venezuela é a baixa produção agrícola. Durante toda a segunda metade do século 20, os monopólios submeteram o País à condição de mero exportador de petróleo, praticamente destruindo todo o potencial produtivo no campo. Como resultado, é obrigado a importar praticamente todo o alimento que consome, elevando de maneira absurda o custo de vida.
A Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário, aprovada em 2001, adotou novos critérios para a realização da reforma agrária. Ficou proibido que uma única pessoa possuísse mais de 5 mil hectares de terra e foi estabelecido um imposto sobre grandes propriedades. O governo passou a investir pesadamente em empresas estatais atuantes na área da indústria alimentícia, como soja, café e leite. Também nacionalizou empresas produtoras de fertilizantes e trabalhou para criar arranjos produtivos locais por meio da concessão facilitada de crédito à economia familiar.
É verdade que a lei não foi aplicada com suficiente energia e que os latifúndios não foram desapropriados. É verdade também que novos capitalistas têm lucrado com os negócios das empresas estatais e que a produção rural ainda precisa avançar bastante para conter a inflação. A disputa por uma profunda reforma agrária na Venezuela segue aberta.
O projeto da extrema-direita, no entanto, é revogar a Lei de Terras e restabelecer o completo monopólio dos burgueses no campo, gerando mais insegurança alimentar e dependência externa para o povo.
Voltar aos tempos de subordinação aos EUA
Uma das atitudes mais corajosas tomadas por Hugo Chávez foi a de mudar a política externa da Venezuela, tornando o País, de fato, independente da principal potência imperialista do continente, os EUA. Subordinada aos interesses ianques, a Venezuela estava condenada a ser uma colônia produtora de petróleo barato para enriquecer monopólios privados, enquanto seu povo vivia em extrema pobreza e a desigualdade social crescia.
Ao enfrentar os interesses imperialistas dos EUA, Hugo Chávez animou a luta anti-imperialista na América Latina e em vários países. Incentivou uma nova geração de movimentos sociais, que passaram a ter mais coragem de enfrentar as políticas imperialistas ao ver que os EUA, mesmo com seu poderoso Exército e chantagens econômicas, não podiam impor sua vontade a um país como a Venezuela.
Fez mais. Apoiou, de maneira completamente desinteressada, uma pequena ilha do caribe, que há anos vinha enfrentado os EUA. Ao defender Cuba, Hugo Chávez mostrou que as relações internacionais não precisam ser baseadas em meras trocas monetárias, mas podem ser fortalecidas por valores como a solidariedade e a luta conjunta dos países oprimidos.
Evidentemente, a luta anti-imperialista não se resume a praticar uma política anti-EUA. O governo Venezuelano estabeleceu posições associadas a países também imperialistas como a China e a Rússia e mantem relações irrestritas com governos que perseguem os movimentos dos trabalhadores, como é o caso do Irã. Aqui está um dos principais limites do chamado Socialismo do Século 21 e do processo bolivariano.
Democracia para quem?
O processo bolivariano sempre teve grande preocupação em afirmar sua legitimidade, garantindo, de maneira regular e profunda, todos os processos da democracia formal. Não à toa, as eleições venezuelanas são reconhecidas como as mais seguras do mundo, superando em muito o nível de organização das eleições dos EUA.
Das 15 últimas eleições, os bolivarianos venceram quase todas, perdendo apenas o referendo para fazer modificações na atual Constituição. Quando perderam, reconheceram a derrota e aplicaram o que decidiu as urnas. A maioria dos jornais, rádios e TVs continua nas mãos de setores da oposição. Até os líderes do golpe que quase retirou Hugo Chávez do poder, em 2002, continuam em liberdade.
Mesmo com tudo isso, a extrema-direita da Venezuela e seus congêneres do Brasil não param de gritar: Ditadura!
Antes da eleição de Hugo Chávez, a burguesia venezuelana, um punhado de pessoas, vivia em um paraíso na terra. Toda a renda do petróleo servia para seus superlucros, e Miami era sua segunda casa. Retirar esses privilégios, garantidos pelo sagrado direito à propriedade privada, não pode ser outra coisa, na visão deles, senão uma ditadura.
Ditadura para uns, democracia para outros. Para a classe trabalhadora, ao contrário, os espaços democráticos estão mais largos. Mais meios de comunicação são controlados pelos movimentos sociais, e novas experiências de Poder Popular são criadas.
A luta que se desenvolve na Venezuela, nos dias de hoje, não é, portanto, uma batalha entre democratas e ditadores. É uma batalha entre dois projetos de país, e o projeto da extrema-direita é profundamente danoso para os trabalhadores e o povo da Venezuela.
É um direito dos movimentos sociais venezuelanos responderem com autodefesa aos ataques violentos dos golpistas, aproveitando o momento para conquistar avanços no processo. É um dever do governo liderado por Nicolás Maduro aplicar a lei com energia para impedir a desestabilização do País.
Jorge Batista, São Paulo
Militante do PCR
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