Manoel Aleixo nasceu no dia 04 de junho de 1931, no engenho Cova da Onça, em São Lourenço da Mata (PE), cidade cercada por canaviais e grandes usinas, como São José e Tiúma (desativada). Seus pais, João Aleixo da Silva e Maria Sabino da Silva, eram negros e foram alcançados pela escravidão quando meninos.
Nosso herói, ainda criança, foi também levado ao duro trabalho de tirar contas no eito, de sol a sol, e de domingo a domingo, nos períodos da moagem, para ter direito a comida e ao tosco vestuário em tudo semelhante ao dos escravos da senzala. Ele não teve tempo nem o direito de freqüentar a escola, que, nos anos 1930, era privilégio de poucos. Mas cresceu ouvindo atentamente as histórias dos homens valentes desta terra que muito o emocionavam, principalmente a história do Quilombo dos Palmares, que ergueu uma república de homens livres com território determinado, por quase um século.
Em 1955, já com 24 anos, acompanhou com interesse o ressurgimento das Ligas Camponesas no Engenho Galiléia, no município de Vitória de Santo Antão, sob a liderança de Zezé da Galiléia. Manoel Aleixo entusiasmou-se com aquela enorme passeata de camponeses pobres e assalariados agrícolas, que teve a participação de Francisco Julião e Clodomir Morais, da Assembléia Legislativa ao Palácio do Governo, no Recife, na qual arrancaram o decreto de desapropriação do Engenho Galiléia. Daí em diante, passou a lutar pela organização de novas ligas em outros municípios, até ver explodirem ligas camponesas por todo o Nordeste, Centro e Sul do país. Conheceu praticamente todos os engenhos de Pernambuco e Alagoas.
“Reforma agrária na lei ou na marra” e “Terra ara quem nela trabalha” eram as palavras-de-ordem que lhe causavam maior emoção.
Do outro lado, recrudesciam a repressão, as milícias privadas e o uso da polícia militar pelos senhores de engenho e usineiros para fazer despejos, sacrificar animais domésticos, arrancar as lavouras de subsistência e assassinar líderes camponeses. Latifundiários e usineiros como Agnaldo Veloso Borges (Itambé), Júlio Maranhão (Usina Caxangá) e José Lopes de Siqueira (Usina Estreliana) tinham prazer em amarrar trabalhadores rebelados no tronco e lambuzá-los de mel e sal para serem lambidos por seus bois mansos até ficarem em carne viva.
Foi a partir daí que Manoel Aleixo descobriu que somente pertencer às ligas e politizar o coco-de-roda e suas emboladas de denúncias e esperança não era suficiente.
No final de agosto de 1963, os sindicatos e as ligas de São Lourenço, Moreno e Jaboatão, sob a sua influência e a de Amaro Luiz de Carvalho (Palmeira, Capivara), sentindo que a confrontação se aproximava, convocaram, de forma unitária, grandes assembléias para responder à onda de assassinatos como os de João Pedro Teixeira, das Ligas da Paraíba, e Geremias, ativista comunista de Itambé (PE), e prisões como a de Júlio Santana, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Formoso (PE). As assembléias aprovaram por unanimidade as seguintes deliberações: a cada militante morto, um ajuste de contas com o assassino ou seus mandantes e “agora será olho por olho, dente por dente”. Vibrante agitação tomou conta daquela massa que “parecia uma densa floresta humana”.
Golpe, repressão e luta clandestina
Em 1º de abril de 1964, os usineiros, latifundiários, a alta burguesia e seus mandos militares fascistas se consorciaram com os monopólios imperialistas dos Estados Unidos para acabar com aqueles que ameaçavam seus imensos lucros, eliminar as lideranças revolucionárias e a organização crescente dos operários, especialmente dos 400 mil assalariados agrícolas da Zona Canavieira de Pernambuco. Como num pesadelo, milhares de operários das usinas e camponeses pobres dos engenhos do estado amanheceram nas delegacias e quartéis transformados em presídios.
Para não ser capturado e morto, Manoel Aleixo, ligeiro como um vento forte, já com 34 anos, separa-se da família, dos amigos, de tudo, e passa a viver nos mais distantes engenhos. Aos poucos, vai recomeçar tudo de novo, com 10, 20 trabalhadores, politizando o conteúdo das letras do coco-de-roda, de emboladas nos terreiros e alpendres das casas mais afastadas das usinas, sempre nos domingos, feriados e noites de lua.
Apesar da resistência clandestina da Comissão Política das ligas, os assassinatos, as prisões das lideranças e o exílio de Francisco Julião, Clodomir Moraes e Djaci Magalhães levaram o movimento a mergulhar no descenso.
O encontro com o PCR
Logo no início de 1967, um ano após a fundação do Partido Comunista Revolucionário (PCR), Manoel Aleixo reencontra, ocasionalmente, na cidade de Barreiros (PE), o mais procurado e mais experiente agitador e organizador comunista de toda a zona canavieira – Amaro Luiz de Carvalho –, que já havia integrado a Comissão do Trabalho Militar das Ligas Camponesas e feito cursos de formação política e militar em Cuba e na China. Amaro, tomado de incontida alegria, retoma a conversação com Aleixo, interrompida pelo Golpe Militar de 1964. Passam em revista os nomes dos companheiros desaparecidos, assassinados, presos, a desmobilização e dispersão das massas. Amaro, apoiado nos seus estudos e nos documentos do Partido, argumentou que as ligas camponesas e os quilombos foram tão importantes que só têm paralelo na história com os quilombos do Haiti e as ligas camponesas da Alemanha, que sustentaram uma longa guerra contra o pagamento do foro da terra e do dízimo aos senhores feudais e à Igreja. Porém são incapazes de impedir o golpe contra-revolucionário das classes dominantes. Para vencer os golpistas, faltou-nos um partido comunista revolucionário, reconhecido pelas massas, com capacidade de direção política para conduzi-las tanto na ofensiva armada para tomar o poder de Estado dos inimigos de classe, quanto no recuo organizado, quando necessário. Este partido terá de funcionar com a disciplina de um Estado-Maior da nossa classe, um partido guiado pelas idéias e experiências revolucionárias de Marx, Engels, Lênin e Stálin; este partido é o Partido Comunista Revolucionário (PCR), e te convido a militar nele a partir de hoje, conclamou Palmeira. Com brilho nos olhos, Manoel Aleixo, emocionado, respondeu: “Quero ser militante do PCR até a vitória ou morte. Já tenho uma lista de companheiros para serem recrutados para o Partido”.
Preparando militantes de têmpera revolucionária
Nesse ínterim, Manoel já havia se transformado numa respeitável liderança do poderoso Sindicato de Barreiros e tinha influência em Água Preta e Joaquim Nabuco. Aí começa o seu primeiro batismo de fogo. Com o nome de guerra Ventania, Amaro quis expressar a força de vontade e a rapidez com que Manoel se dedicava ao trabalho profissional de construção do Partido, retirando-se, aos poucos, do papel de líder de massas para atuar mais no aparelho clandestino do Partido no campo.
Para lá iam somente aqueles que mais se destacavam na luta, revelavam características de futuro militante para receber cursos de formação política e ingressar no PCR. Passou a trabalhar em estreito contato com Amaro e Manoel Lisboa, constituindo-se, assim, em pouco tempo, um coletivo dirigente desta frente, onde teve destacado papel de direção juntamente com o companheiro Amaro Félix Pereira (Procópio), ex-líder sindical de Barreiros que comprovou também a sua extrema dedicação e fidelidade ao Partido com um ano de prisão na Casa de Detenção do Recife (1971), para, depois de conseguir sua liberdade, ser seqüestrado.
Como Ventania nada revelou sobre o Partido, torturaram-no até a morte e o enterraram clandestinamente. Só recentemente conseguimos, com o esforço dos seus filhos, obter o devido reconhecimento da Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos do Ministério da Justiça. Izabel Simplício, sua esposa, declarou, ainda, em documento entregue à referida comissão, que “apoiava a luta e que agora espera justiça para que nunca mais aconteça outro final de agosto tão triste como aquele de 1973”.
O Estado acabou por reconhecer seu crime praticado contra Manoel Aleixo (Ventania), mas falta reconhecer as circunstâncias, identificar e punir severamente os responsáveis por tão bárbaro crime.
Manoel é preso e, por nada informar, é torturado e recolhido durante todo o ano de 1970 na Casa de Detenção do Recife. Quando conquistou a liberdade, pouco a pouco, com muito cuidado, retomou suas atividades revolucionárias, clandestinamente, mas com muito mais disposição do que antes, pois sabia que teria de enfrentar grandes dificuldades com a repressão e, especialmente, com o desenvolvimento do seu trabalho – agora sem o Sítio Borboleta e sem a sábia companhia de Palmeira, que continuava preso e torturado, ora no Recife, ora no Dops, em São Paulo.
O frio e covarde assassinato do camarada Amaro Luiz de Carvalho na própria Casa de Detenção do Recife, no dia 22 de agosto de 1971, não o apavorou. Ventania rapidamente procura recompor o trabalho e também a sua vida pessoal, casando-se com a companheira Izabel na cidade de Joaquim Nabuco (PE). E para que todo o seu tempo fosse dedicado ao crescimento do Partido, procurou convencer sua esposa de que “ter filhos só depois de haver justiça no campo”. Certa vez, no fim de uma reunião, um camarada perguntou-lhe o porquê de tanta pressa em tudo que fazia. Em cima da bucha, ele respondeu: “Agora eu tenho de recrutar por dois, por mim e pelo companheiro Capivara, que continua preso”.
Paixão e morte!
O ano de 1973 foi de cerco aos comunistas revolucionários. Seqüestraram Manoel Aleixo e o assassinaram sob as mais selvagens torturas; a lancinante dor foi dilacerando seu corpo e sua alma até morrer, sem que uma só informação fosse dada a seus torturadores. Como provamos esta fé suprema no Partido? Havia um ponto marcado com o companheiro Valmir, da direção do Partido, no interior da igreja da cidade de Ribeirão, no dia 06 de setembro, às 10 horas. A direção do Partido decidiu que a cobertura do ponto fosse feita por mim, e, na hora exata, lá compareci e ele não estava nem tampouco a polícia. A repressão não conseguiu pôr suas mãos sujas no Partido por seu intermédio.
O DOI-Codi do então IV Exército, o torturador Sérgio Paranhos Fleury, diretor do Dops-SP, o torturador Moacir Sales de Araújo, diretor do Dops-PE, o delegado José Oliveira Silvestre e o torturador Luís Miranda, agente da Polícia Civil, foram os responsáveis diretos por todas as sevícias, pelo assassinato e pela desavergonhada mentira veiculada nos grandes jornais da burguesia no dia 8 de setembro, de que Ventania teria morrido no dia 29 de agosto ao resistir à voz de prisão e travar um tiroteio com agentes da segurança na cidade de Ribeirão.
Desavergonhada mentira porque não houve qualquer tiroteio em Ribeirão no dia 29 de agosto, pois não há qualquer registro no livro de ocorrências da única delegacia da cidade. Mais: se a morte aconteceu no dia 29 de agosto, por que o Diario de Pernambuco e o Jornal do Commercio divulgaram a notícia só no dia 08 de setembro, nove dias depois? E por que seu corpo não foi entregue à sua família, a quem de direito cabe realizar o devido sepultamento?
Na verdade, Manoel foi seqüestrado da sua própria casa, em Joaquim Nabuco, na madrugada do dia 29 de agosto, fato testemunhado por Izabel Simplício da Conceição, sua companheira, conduzido numa Veraneio do Exército até a sede do comando do IV Exército, no Parque 13 de Maio, e assassinado provavelmente junto com Manoel Lisboa e Emmanuel Bezerra. Certamente temendo o impacto da divulgação do assassinato de três grandes revolucionários num só dia, 04 de setembro, e também para dificultar o esclarecimento do seu hediondo crime, decidiram divulgar em dois dias diferentes, locais falsos e circunstâncias totalmente mentirosas, apesar de bem urdidas.
Nos braços da História
Agora, 34 anos depois, podemos afirmar com Castro Alves: “Quem cai na luta com glória, tomba nos braços da história e no coração do Brasil!”. Foi com base na sua profunda opção pelo PCR, como instrumento da libertação revolucionária dos explorados e oprimidos, que Manoel Aleixo construiu a sua inquebrantável coerência. Por isso, ele encontrou força e tranqüilidade suficientes para praticar também no cárcere do inimigo, com estoicismo, a sua orientação: não dar nenhuma informação sobre o Partido ao inimigo de classe – e, de fato, para um revolucionário, a traição é pior do que a morte. Coube ao Partido realizar um rigoroso levantamento (cerca de um ano e três meses) de todas as informações, entre 40 companheiros nossos detidos naquelas dependências do Exército) para oficialmente poder informar toda a verdade sobre o comportamento de cada companheiro. Sobre Ventania, assim se expressou a direção do PCR:
“Na sala de torturas, comportou-se como um autêntico herói nascido do povo; diante das torturas mais atrozes, cerrou os dentes, nada falou aos sádicos policiais. Morreu como herói do povo, um combatente do Partido, digno e firme como uma rocha”. (Editorial do jornal A Luta, nº 18, dezembro de 1974).
Camarada Manoel Aleixo, você conquistou, com a sua elevada honra comunista, um justo lugar no pantheon dos heróis da História e da Dignidade.
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