A recente apresentação de projeto que procura reformar a lei para permitir que a realização de um referendo possa coincidir com a data normal de outra convocatória eleitoral pública, não é um fato tão claro como pretende apresentá-lo o governo nacional.
O Presidente Santos diz que busca gerar as condições que possibilitem, ante um eventual acordo na Mesa de Havana, que se possa realizar de maneira rápida o referendo aprovado no Acordo Final, a fim de poder materializar o pacto de paz.
E como se procurasse subtrair importância ao tema, argumenta que caso não haja nenhum Acordo na Mesa, ou não se defina que o procedimento de referenda dos acordos seja um referendo, simplesmente nada passará, a lei aprovada não seria aplicada e ponto.
Reflitamos um instante sobre isso. Tem alguma apresentação, viu-se em algum país do mundo que um governo proponha uma lei, pressupondo algo que não sabe se irá acontecer, e afirmando que caso isso não se der, não importa nada?
Pode um governo pôr em funcionamento a máquina estatal inteira, envolver os três poderes – executivo, legislativo e judiciário, em caráter de urgência, a fim de obter uma lei que lhe permita executar algo que ele mesmo admite ser provável que não se dê?
As razões para fazê-lo têm necessariamente que ir muito além da simples generosidade bonachona. Santos deve ter sérias motivações. E é a esse respeito que vale a pena convidar o país a pensar com atenção e não deixar passar goela abaixo como parece sugerir a grande imprensa.
O próprio Humberto de La Rua reconhece que o tema faz parte do ponto 6 da Agenda, que sequer começou a ser discutido. Quando se discutir, pode ser acordada uma fórmula bem distinta, caso em que a lei proposta seria uma simples medida de prevenção neste caso.
Nisso não se pode acreditar, não se pode ser tão ingênuo. Durante vários meses, como se vê desde já, os grandes meios de comunicação e o país inteiro estarão ocupados nas discussões do projeto de lei sobre o referendo, que, desse modo, será elevado à fórmula de uma panacéia salvadora.
Quando o tema do mecanismo de referenda for abordado na Mesa, vai acontecer que o argumento central do governo para impor a via do referendo será precisamente o da engrenagem estatal já posta em marcha e a expectativa nacional a respeito.
Qualquer outra fórmula, por exemplo uma Constituinte, será desprezada imediatamente com o único argumento de que implicaria mais trâmites e demoras. A nação inteira quer pôr fim ao conflito já, dirão. Assim, a fórmula governamental no caso será imposta por inércia.
No caso de na Mesa as Farc, por sua inclinação a qualquer outra proposta, neguem-se a admitir que o mecanismo de referenda seja o referendo, é certo que o governo nacional e a grande mídia se lançarão em massa contra elas acusando-as de ter enganado o país.
Dirão que depois do Congresso, da Corte Constitucional, dos grandes meios de comunicação e da opinião pública ter embarcado na fórmula salvadora do referendo, voltaram atrás em uma demonstração de sua má fé habitual e sua mania de mentir ao país.
Que o Presidente Santos pretenda nos abandonar desse modo como nesse caso, não resulta no mais grave da questão. Há meio século pretendem fazer o mesmo com bombas e metralhadoras, o que, como organização, ensinou-nos a desenvolver uma blindagem a toda prova.
Em um país aonde provadamente foram eleitos presidentes com dinheiro das máfias e apoio paramilitar, que já é costume valer-se de algum modo das Farc e do tema da paz para se chegar à presidência, não é estranho que Santos recorra ao processo para reeleger-se.
A agitação legislativa e midiática se encarregará de preparar a opinião para isso, sem importar que o Presidente aponte o fio da espada contra as Farc no caso delas não se submeterem às suas imposições. Se não obtiver a paz por bem, de todo modo a conseguirá por mal.
Mas há algo mais sério. O governo nacional não disse ainda uma palavra pública sobre a lei que convocaria o referendo. Levou todos a acreditar que haverá uma eleição em que o cidadão votará pelo sim ou pelo não em cada um dos pontos do Acordo Final de Havana.
Quando não há nada mais longe em seu propósito. O que Santos pretende com esse Referendo é que o país vote sim ou não, é dotar de faculdades extraordinárias ao Presidente para expedir decretos com força de lei, dirigidos a pôr em vigência os Acordos assinados em Havana.
Para tal, o país deve votar sim ou não à conformação de um pequeno Congresso ou corpo legislativo encarregado de redigir os decretos. Esse Congresso estaria conformado por porta-vozes de todos os partidos políticos e nele terá assento uma pequena representação das Farc.
É essa a segunda parte sobre a qual o governo cala. Assim foi dada a informação em reunião informal a um grupo de porta-vozes das Farc em Havana, que solicitaram um tempo prudencial para pensar sobre isso. O governo, entretanto, decidiu avançar com sua idéia sem esperar resposta.
Assim, as Farc estão envolvidas agora em um carrossel que ultrapassa de longe o Acordo Geral assinado em Havana há um ano, sem contar com nossa opinião, pelo qual, segundo o governo, não poderemos nos opor sem que apareçamos como falsários e inimigos da paz.
Essa é toda a verdade. Nossa intenção é seguir adiante com o processo de paz, de acordo com o combinado no Acordo Geral, fazendo caso omisso das manobras que o governo tente paralelamente. A Colômbia e o mundo devem saber quem está violando as regras.
É claro que o governo pressiona de todas as formas por um acordo antes do fim do ano. Mas suas posições na Mesa seguem sendo imutáveis quanto a não tocar em um só aspecto da ordem estabelecida. Insistimos em dizer que sua pretensão é nossa simples adesão às suas políticas.
Isso não seria um acordo. Tampouco a paz pela qual lutaram e entregaram suas vidas tantos colombianos e tantos guerrilheiros patriotas. Menos a paz pela qual as pessoas comuns deste país clamam hoje em dia nas ruas, estradas e praças.
Timoleón Jiménez
Comandante do Estado Maior Central das Farc-EP
25 de Agosto de 2013
Comments are closed, but trackbacks and pingbacks are open.