As palmeiras, plantas típicas do Norte e do Nordeste brasileiro, já foram cantadas em prosa e verso por nomes consagrados da nossa literatura. Ouso louvar, também, uma palmeira que se agiganta sobre todas as que embelezam nossos rincões. Maior e diferente de todas, porque é um ser humano. Afirmo no presente, por concordar com a tese de que os homens imprescindíveis não morrem.
Palmeira, Capivara, Amaro Luis de Carvalho nasceu no dia 04 de junho de 1931 em Joaquim Nabuco, Zona da Mata pernambucana, trazendo nas veias o sangue de heróis como Zumbi dos Palmares, o anseio de libertação de centenas de gerações de oprimidos.
Desde criança, insatisfeito com as injustiças, não aceitava que um pequeno número de pessoas – os donos das terras, usinas, indústrias, bancos – se enriquecesse à custa do trabalho não pago, a mais-valia, do sofrimento de tantas pessoas.
Da reflexão à ação foi um passo, engajando-se na luta, ingressando aos 15 anos no Partido Comunista, o PCB.
Operário, Capivara teve participação destacada nas lutas da categoria têxtil da região metropolitana do Recife, mobilizando e organizando os trabalhadores. Preso pela primeira vez em 1958 por liderar uma greve têxtil junto com sua classe; as arbitrariedades só fortaleciam sua ideologia e lhe aumentava o ânimo.
Mas foi na Zona Canavieira, seu berço, que mais brilhou a atuação do herói, criando ligas camponesas e sindicatos, mobilizando e organizando os camponeses e assalariados rurais.
Reforma ou Revolução?
A ida a Cuba em 1961 – com a Revolução ainda criança, pois ocorrera em 1959 – proporcionou-lhe maior entusiasmo para o trabalho de construção de uma sociedade socialista no Brasil. Ele disse: “Cada camponês que saía, via a força da revolução e a capacidade criadora do povo trabalhador do país irmão”.
Descontente com as mudanças ocorridas no PCB como resultado da traição do XX Congresso do PCUS, junto a grande número de militantes desligou-se da organização e fundou o Partido Comunista do Brasil, PCdoB. Capivara reorganizou esse partido, tendo rompido com a linha reformista não apenas por divergências teóricas, mas pelo encaminhamento das lutas concretas. No seu trabalho As quatro contradições da Zona Canavieira de Pernambuco, ele dá um exemplo: “…o engenho Serra pertencia ao criminoso Alarico Bezerra. Os camponeses de toda a região afluíram a Serra para reivindicar terras. Nesta invasão, para evitar contra-ataque dos capangas de Alarico foram postos em armas 100 homens, os quais se portaram com galhardia, sem tocar nos bens da propriedade até que o governo tomasse medidas adequadas… A camarilha revisionista utilizou o presidente do sindicato de Palmares para dissuadir os camponeses dos seus propósitos, o que não conseguiu, tendo sido desarmado e posto em fuga pela massa enfurecida”.
Na luta clandestina
Com o golpe militar de 64, Capivara passou a atuar na clandestinidade na zona canavieira, especialmente nos municípios de Jaboatão, São Lourenço da Mata, Moreno, Vitória e Serinhaém.
Participou de um curso de formação e capacitação político-militar na China, onde conheceu as grandes realizações do povo chinês. Pouco tempo após seu retorno, reuniu-se com um grupo de militantes, entre os quais Manoel Lisboa de Moura, ocasião em que avaliaram que a direção do PCdoB estava se burocratizando e emperrando o trabalho revolucionário, e que, de fato, o rompimento com o revisionismo e com o reformismo havia sido apenas formalmente. Em conseqüência dessa avaliação decidiram sair daquela organização. Tendo Manoel Lisboa à frente, lançaram a Carta de Doze Pontos aos comunistas revolucionários, logo após o congresso de fundação do Partido Comunista Revolucionário, PCR, no ano de 1966.
Como dirigente do PCR, atuou durante quatro anos na zona canavieira coordenando ações e organizando conselhos de luta dos assalariados rurais, até ser preso do dia 27 de janeiro de 1970. Na prisão teve comportamento exemplar, resistindo bravamente às torturas praticadas nos cárceres da ditadura militar do Recife e de São Paulo, para onde foi transferido e torturado. Condenado a dois anos de prisão, faltando menos de dois meses para ganhar a liberdade, foi covardemente assassinado na Casa de Detenção do Recife por envenenamento e a pauladas. Sua morte foi tramada pela cúpula dos usineiros mais sanguinários de Pernambuco, chefiados por José Lopes de Siqueira (o mesmo que tentou matar Gregório Bezerra) e Júlio Maranhão, na presença do torturador Sérgio Paranhos Fleury. Um prisioneiro enviou carta anônima ao comandante do IV Exército, denunciando que “…o crime feito contra o preso político Capivara foi feito na maior covardia por três criminosos perversos. Todos os presos estamos revoltados porque não foi tomada nenhuma providência até aqui. Os criminosos estão todos contentes. O cabeça é Dercílio de Brito, outro é Odilon Marculino e o terceiro é Severino Caboclo. Mais de dez presos viram, mas não querem dizer com medo de morrer. Não boto meu nome para depor, para não morrer também. Se vossa excelência der garantia, me apresento para provar na vista de todos os três”. Houve até testemunhas que denunciaram os assassinos, mas os inquéritos foram todos de fachada, nunca indiciando os autores e os mandantes do crime. É claro que os usineiros e os carrascos do regime militar jamais iriam acusar a si próprios.
A imprensa burguesa divulgou versões mentirosas: “Coração trai Capivara a dois meses da liberdade” (Diário da Noite, 24/08/1971); e comemorou sua morte: “Fim do Terror” (Diário de Pernambuco, 24/08/1971). Achavam que a tranqüilidade voltaria ao campo. Não voltou. Não poderia voltar, uma vez que os canavieiros continuaram sendo explorados, tendo seus mínimos direitos trabalhistas negados, sendo demitidos em massa, vivendo em situação pior do que na época da escravidão.
Milhões de Capivaras
Zóia, Margarete e Luis devem sentir falta e saudade de seu pai, mas também devem se sentir muito honrados por serem filhos de Amaro Luis de Carvalho, por terem nas veias o seu sangue. Sangue que é semente dos novos revolucionários na luta por melhores salários, condições de vida e trabalho, ocupando terra e realizando a reforma agrária na Zona da Mata de Pernambuco. Milhões de Palmeiras, de Capivaras, estão nos canaviais e no seio de todo o povo trabalhador, e conduzem a luta por um futuro radiante onde brilhará o sol da liberdade, da justiça e da igualdade, clareando o caminho da construção do socialismo.
Amaro Luis de Carvalho foi designado responsável pelo trabalho militar das ligas camponesas coordenando ações em Pernambuco e Goiás. Não freqüentou nenhuma universidade, mas pelo próprio esforço aprendeu a ler e escrever, a ponto de fazer um trabalho sobre a Zona da Mata, intitulado As Quatro Contradições da Zona Canavieira de Pernambuco (Editorial a Luta, 1967), digno de ser assinado por qualquer cientista social. Transcrevemos os trechos em que ele fala do sindicalismo como instrumento de luta e do poder popular que estava sendo construído na região, esperando que sirva para reflexão por parte dos sindicalistas de hoje:
“…Os camponeses da zona canavieira de Pernambuco nunca dependeram nem mesmo das diretorias sindicais para decretarem suas greves. Jamais se submeteram à podridão burocrática da Justiça do Trabalho para se declararem em greve. O que entendiam por decisão coletiva não era o formalismo clássico das assembléias sindicais, mas sim o apoio recíproco dos camponeses”.
“Milhares e centenas de milhares de camponeses de toda a zona canavieira procuravam nas cidade interioranas filiar-se aos sindicatos. As cidades do interior de toda a região açucareira eram sacudidas pela avalanche humana à procura da nova organização, à procura de seus direitos”.
“As autoridades constituídas, para os camponeses, não tinham nenhum valor. As delegacias de polícias foram abjuradas. Todas as questões eram levadas ao sindicato, tamanho era o respeito que tinham pela organização. Todo poder emanava do sindicato”.
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