Governos europeus obrigam imigrantes a viver em guetos

refugiados-muro“O capitalismo, da cabeça aos pés, escorre sangue e sujeira por todos os poros”.  Karl Marx, O Capital

De acordo com a Organização Internacional de Migração (OIM), mais de 4.800 pessoas morreram este ano no Mar Mediterrâneo¹ tentando chegar à Europa. Em 2015, foram 3.771 mortes por afogamento. O crescimento das mortes é evidente: em 2016, uma pessoa morreu para 88 que sobreviveram; em 2015, foi uma morte para cada 269. No entanto, muitos corpos não são resgatados, o que significa que esse número pode ser ainda maior.

Grande parte das mortes ocorre quando os frágeis botes que fazem a travessia naufragam. Em junho, 700 pessoas morreram em três naufrágios. Outras mortes acontecem por asfixia, como relatou Laura Lanuza, ativista da ONG Proactiva, que participa dos resgates de refugiados. Lanuza encontrou 22 pessoas mortas no dia 5 de outubro: “Achamos que estavam tentando sair do convés quando houve o naufrágio”. É nos porões dos barcos que os negociantes que comandam o lucrativo tráfico de pessoas da África para a Europa colocam os que pagam menos pela viagem. Neste mesmo dia, o navio espanhol Astral encontrou uma balsa de madeira à deriva com 22 corpos queimados, provavelmente por um incêndio ocorrido na embarcação, perto da costa da Líbia. Não bastasse, antes de embarcarem muitos imigrantes são sequestrados e espancados pelos donos dos barcos para pedirem mais dinheiro aos seus familiares.

Um drama que lembra o tráfico de escravos praticado pelos governos dos países europeus há 500 anos. De acordo com o escritor Marcus Rediker, autor do livro O Navio Negreiro – Uma História Humana, “nos 400 anos de história do tráfico (do fim do século 15 ao fim do século 19), 12,4 milhões de pessoas foram embarcadas em navios negreiros. Destes, 1,8 milhão morreram durante a viagem e foram jogadas ao mar. Hoje, cinco séculos depois, milhares de seres humanos continuam a sofrer o mesmo martírio.

A selva de Calais

Os que sobrevivem aos maus-tratos dos traficantes e aos naufrágios não terminam seu sofrimento ao chegar na Europa. Pelo contrário, muitos continuam vivendo e sendo tratados pior que os animais no chamado “primeiro mundo”.

Em Calais, cidade francesa mais próxima da Inglaterra, 1.250 policiais foram enviados pelo governo no dia 24 de outubro para retirar 8,3 mil pessoas – entre elas 1.300 crianças órfãs, em sua maioria sudanesas, afegãs e eritreias –, que viviam há 18 meses num acampamento chamado pela imprensa burguesa de “Selva de Calais”. Ali, no país da Torre Eiffel, milhares de pessoas viviam em condições desumanas, amontoadas em barracos de plástico, dividindo uma dezena de banheiros móveis, alguns poucos pontos de água para satisfazer suas necessidades de higiene e enfrentando chuvas e temperaturas abaixo de 10°. As autoridades francesas disseram que os retirados da “Selva de Calais” foram recolhidos para Centros de Acolhimento e Orientação (CAOs). Todos, entretanto, estão obrigados a pedir asilo formal à França e os que forem recusados pelo governo francês, bem como os que não quiserem viver nesse país, serão deportados. Vale lembrar que muitos desses imigrantes que estão na França buscam parentes que estão na Alemanha, na Inglaterra ou em outro país, e com essa decisão o governo francês impõe a segregação daquelas famílias.

Em 2002, o governo francês desmantelou o primeiro acampamento em Calais; desde então, novos acampamentos são formados e desmantelados, pois os imigrantes, fugindo da fome, da falta de trabalho ou das guerras promovidas ou incentivadas pelos governos europeus e pelos EUA, ao chegarem à Europa são tratados como bichos.

Outro acampamento, este localizado entre a Grécia e o norte da Macedônia, foi invadido e desmantelado pela polícia grega em maio deste ano. Ali, milhares de imigrantes e refugiados viviam nas florestas do vilarejo de Idomeni em condições extremamente precárias: “A maioria é de pessoas que fugiram da guerra e da violência na Síria, no Afeganistão e no Iraque, muitos idosos, gestantes e crianças com menos de cinco anos e que viviam em condições miseráveis, ao relento, na floresta ou na estação de trem, sem qualquer abrigo, alimentos ou acesso a instalações sanitárias”, descreveu a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF).

Na Grécia, mais de 50 mil refugiados e imigrantes² continuam a viver espremidos em acampamentos insalubres e se alimentam graças às refeições dadas por trabalhadores gregos, enquanto jovens tornam-se reféns de redes de tráfico sexual formadas para explorá-los. Relatório da MSF intitulado “Grécia: gente vulnerável deixada para trás” afirma que o estado de saúde dos refugiados é crítico: “Eles têm a sensação de que os esqueceram. Ninguém lhes dá indicações sobre quanto tempo leva para processar o seu pedido de asilo, ninguém diz se algum dia vão sair do acampamento. Vivem num gueto, sem tê-lo escolhido, e isso provoca-lhes uma profunda depressão”. Com a aproximação do inverno, a MSF alerta para o aumento de doenças do sistema respiratório e aponta a inexistência de serviços médicos e a falta de acesso aos hospitais públicos por parte dos refugiados.

De onde vêm os imigrantes e refugiados?

Grande parte dos refugiados vem da Síria, Iraque, Afeganistão e Líbia, isto é, países que foram covardemente bombardeados pelos EUA, Inglaterra, França, e mais recentemente, pela Rússia, e com a cumplicidade dos governos da Alemanha e da Espanha. Estes povos tiveram escolas, hospitais, casas, museus, bibliotecas, universidades e a infraestrutura de seus países bombardeados e invadidos por exércitos de mercenários e tropas estrangeiras. Alguns continuam, ainda hoje, sofrendo com bombas jogadas dos céus por modernos aviões de combate. É o caso da Síria, que no dia 27 de outubro recebeu vários ataques aéreos no vilarejo de Hass, em que morreram 35 pessoas, incluindo 11 crianças e sete mulheres.

Números da ONU retratam bem o que os países imperialistas, em particular os EUA, fizeram na Síria: três em cada quatro sírios vivem na pobreza, sendo que um em cada três não consegue satisfazer suas necessidades básicas de alimentação. Cerca de 8,7 milhões de pessoas precisam de assistência relacionada a alimentos, enquanto 2,4 milhões têm alto risco de insegurança alimentar e mais de 270 mil pessoas morreram devido à guerra. Ao todo, 8,5 mil escolas foram destruídas no Sudão, na Síria, no Iraque, Iêmen e Líbia.

Calcula o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que no mínimo 50 milhões de crianças foram forçadas a abandonarem suas casas em consequência de guerras, violência e perseguições. No final de 2015, 31 milhões de crianças viviam refugiadas no exterior e 17 milhões estavam deslocadas em seus próprios países. (AFP, 07/09/2016)

O que fazer diante dessa situação: ficar à espera de um novo bombardeio ou fugir da guerra levando os filhos que ainda não morreram para outro país? Mais de cinco milhões de sírios e outros milhões de pessoas do Iraque, da Líbia e do Afeganistão optaram por fugir dessas guerras imperialistas.

Outros milhares de imigrantes são da Eritreia, Guiné, Sudão, Iêmen, Somália e Angola, países que vivem conflitos estimulados e patrocinados pelas grandes potências ou então que foram tão explorados pelos países imperialistas que seus povos estão mergulhados em uma profunda pobreza e miséria, apesar das imensas riquezas que existem no continente africano.

O sofrimento e a dor desses milhões de pessoas que morrem vítimas de bombardeios, afogados ou asfixiados no porão de um barco, de fome ou de doenças que poderiam ser curadas se tivessem acesso a hospitais ou padecem em campos de refugiados sem alimentação e remédios, e ainda  são humilhados e desprezados pelos governos de países que se dizem civilizados, percorrem o mundo em imagens que revelam de maneira gritante o caráter desumano, discriminatório e elitista do sistema econômico e político que hoje domina e governa o mundo: o capitalismo.

Hipocrisia e mentiras da burguesia

Para esconder sua responsabilidade por essa situação, os governos capitalistas da Europa e os meios de comunicação da burguesia responsabilizam as famílias dos refugiados e imigrantes que viajam em barcos que sabem serem precários em direção ao velho continente.

Esquecem que do século 18 até os anos 1960, entre 50 e 60 milhões de europeus, também fugindo da pobreza e de guerras, deixaram seus países em direção à África, à Ásia, às Américas e foram acolhidos com todo o respeito e dignidade. (http://www.dw.com)

Por outro lado, tentando justificar o miserável tratamento que dão aos imigrantes e refugiados, apresentam a África como uma região condenada à pobreza e habitada por pessoas sem instrução, quando a verdade é que este continente, verdadeiro berço da nossa civilização, é rico em minerais, ouro, diamantes e petróleo como nenhum outro do mundo e possui imensas florestas e terras agricultáveis. Ademais, os povos africanos são exemplo de dedicação ao trabalho, pois construíram nações como o Brasil e os EUA, entre outras.

O que acontece é que essa enorme riqueza existente na África nunca foi utilizada em proveito de seus povos, mas roubada pelas potências ocidentais, e por esta razão a África tem os piores índices de pobreza, fome, desemprego e epidemias.

Com efeito, relatório do Banco Mundial aponta que o número de africanos vitimados pela pobreza aumentou em cerca de 100 milhões nos últimos 25 anos, totalizando 388 milhões de pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 por dia no continente. Alguns países chegam a ter 60% da população vivendo na pobreza, como é o caso de Moçambique e Guiné-Bissau.

Já segundo a ONU, um milhão de crianças que vivem no sul e no leste da África está num estado de má nutrição grave – e até o fim do ano 49 milhões de habitantes destas duas regiões devem precisar de ajuda alimentar.

Dados da OIT também mostram que o emprego vulnerável (empregos precários, temporários, de meio período ou mal remunerado e incapazes de garantir a sobrevivência de uma família) representa mais de 46% do total do emprego em nível mundial e afeta cerca de 1,5 bilhão de pessoas. Esse emprego vulnerável atinge entre a metade e dois terços da população empregada na África Subsaariana (70%) e na Ásia Meridional (74%).

Mais: um terço de todas as pessoas que vivem com a infecção pelo HIV (Aids) em todo o mundo vive no sul da África e, de acordo com Organização Mundial da Saúde, a epidemia de Ebola já matou 12 mil africanos em quinze países.

Não há dúvida, portanto, que a fome, o desemprego e as guerras são as causas que levam milhões de pessoas a emigrarem ou a se refugiarem na Europa, continente que está mais próximo da África.

Que absurdo existe, portanto, no fato de que filhos de camponeses sem terra da África e trabalhadores desempregados que não querem ver seus filhos morrerem de fome lutem para sobreviver e sonhem com um trabalho digno?

Na verdade, para abandonar seus familiares, seus entes queridos, sua pátria, seus costumes, amigos e famílias, sua terra, para viver num país estranho, com outra língua e sem saber se será bem acolhido, é preciso ter uma razão muito forte, como a de salvar sua vida e a de seus familiares e, acima de tudo, coragem.

A partilha e a exploração da África

A exploração e a dominação dos povos africanos pelos países imperialistas tiveram início ainda no século 15. São mais de cinco séculos de dominação e de espoliação dos países imperialistas sobre esse continente. Começaram roubando seu ouro, escravizando seus povos e vendendo-os como se fossem uma mercadoria qualquer para trabalharem a serviço da nascente burguesia mundial em países como EUA, Brasil, Colômbia, Equador, entre muitos outros. Ao longo dos últimos anos essa pilhagem não diminuiu, mas se ampliou com novos países, como a China, somando-se a ela. Além disso, novos mecanismos surgiram, como a concessão de empréstimos aos governos africanos para cobrar juros escorchantes e a obrigação de comprar produtos industriais a preços abusivos, instalações de empresas petrolíferas, compra de terras férteis a preços de banana e implantação de bases militares. Além do mais, o tráfico de pessoas, como vimos, não acabou.

A própria divisão dos países africanos foi imposta em 1884 na Conferência de Berlim pelos governos dos EUA, da Rússia, da Grã-Bretanha, da França, da Alemanha e de mais onze países europeus. Estes governos, sem nenhuma participação dos verdadeiros donos da África (os seus povos), dividiram o continente e criaram países separando povos arbitrariamente.

De fato, no início do século 20, as quatro grandes potências da Europa – Inglaterra, França, Rússia e Alemanha – tinham uma população de 300 milhões de habitantes e uma superfície aproximada de 7 milhões de quilômetros quadrados, mas possuíam colônias com uma população de quase 500 milhões e uma superfície de 64,6 milhões de quilômetros quadrados, isto é, quase metade do globo (Lênin, Sobre a palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa).

Tal divisão ainda hoje é responsável por muitos dos chamados conflitos étnicos no continente, muitos deles, inclusive, financiados pelas potências imperialistas interessadas em manter os povos africanos divididos para facilitar seu domínio seguindo a máxima de Maquiavel de “dividir para reinar”.

Uma dívida impagável

Pois bem, após séculos de pilhagem e de escravização dos povos africanos, qual é o tamanho da dívida dos governos europeus com os povos africanos e do Oriente Médio? Incalculável e infinitamente impagável. Logo, o mínimo que os governos europeus deveriam fazer era acolher os refugiados e imigrantes com tudo de melhor que possuem e não agir da mesma forma que os nazistas fizeram nos países que invadiram durante a Segunda Guerra Mundial.

Dados oficiais da União Europeia revelam que em 2015 o total de refugiados deportados pelos governos da região foi de 463.197, isto é, quase 500 mil pessoas, entre elas milhares de crianças, enviadas, na prática, para a morte.

O tratamento do governo dos EUA é idêntico: 2,5 milhões de imigrantes foram deportados pelo governo de Barack Obama entre 2009 e 2015, de acordo com o Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Em toda a história, nenhum outro presidente expulsou tanta gente como Obama, que foi chamado de “deportador-chefe” por líderes da comunidade latina.

Mas, além de expulsarem da maneira mais bárbara que existe os imigrantes, o que fazem os governos europeus e defendem os partidos de direita e de extrema-direita? Constroem muros para impedir que os refugiados de suas guerras no Oriente Médio, da fome e dos vírus que espalharam na África se desloquem de um país para outro, praticam atos bárbaros que ultrajam a consciência da humanidade e pisoteiam dezenas de artigos da Declaração dos Direitos Humanos. Vejamos:

“Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a esse regressar; todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países; todo ser humano tem direito a uma nacionalidade. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa …” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro 1948).

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Europa é quem menos acolhe refugiados sírios

Depois, não é verdade que a Europa seja o destino da maioria dos refugiados sírios. De acordo com a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), metade dos refugiados sírios, cerca de 1,9 milhão, vive na Turquia; 1,1 milhão está no Líbano; 650 mil estão na Jordânia e 900 mil buscaram refúgio na Europa.

Os que conseguem escapar da deportação são submetidos a longas jornadas, não têm nenhum direito e, como a maioria é ilegal, não possuem documentos; são obrigados pelos patrões a aceitar baixos salários e ultrajantes condições de trabalho.

Por outro lado, a burguesia e seus partidos, com o objetivo de dividir a classe operária e lançar trabalhadores de uma nação contra os de outra, culpam os imigrantes pelo desemprego na União Europeia. Ora, segundo a ONU, a chegada de milhares de refugiados e de imigrantes na Europa ocorreu principalmente a partir de 2014. Dados da Acnur revelam que até outubro de 2016 um total de 327 mil migrantes e refugiados entraram na Europa; em 2015, foram 1.015.078 refugiados e migrantes que cruzaram o Mediterrâneo e em 2014 foram 207 mil pessoas. Antes disso, o maior número havia sido em 2011, durante a agressão dos EUA e da França à Líbia: 70 mil.

Porém, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que entre 2007 e 2009, o número de desempregados na União Europeia tenha aumentado em mais de 13,7 milhões. Naqueles anos nenhuma onda de imigração para a Europa ocorreu, mas o período coincide com o início da grande crise na economia capitalista. De fato, desde 2007, a região da União Europeia e dos países desenvolvidos concentraram mais de 40% do aumento do desemprego global. Portanto, quem causou o crescimento do desemprego na Europa não foi de maneira nenhuma o ingresso no continente europeu de nenhum imigrante ou refugiado. Ademais, estudo do Parlamento Europeu, de 2015, revelou que nos últimos 40 anos a indústria europeia perdeu um terço de sua base, e, consequentemente, dos empregos industriais que gerava.

Dizem ainda os governos europeus que não tratam os imigrantes de maneira digna porque não têm dinheiro. Mais uma vez, mentem. Apenas em 2015, os governos europeus gastaram um total de 700 bilhões de euros comprando títulos podres de bancos e de grandes corporações internacionais. Em 2016, o BCE (Banco Central Europeu) deverá gastar ainda mais na compra desses títulos para salvar banqueiros e monopólios privados da falência: 1,1 trilhão de euros.

Tem mais: o Instituto Global de Paz (IGP), com sede na Austrália, divulgou em 9 de junho deste ano que os principais países capitalistas do mundo gastaram um total de US$ 13,6 trilhões com bombas, fabricação, importação e exportação de armas em 2015. Isso significa que foram gastos com a violência US$ 1.876 por cada pessoa do planeta. A verdade: não têm um centavo para um refugiado, mas têm bilhões, trilhões para gastar com o capital financeiro e com guerras.

O cinismo da União Europeia

Qual é, então, a alternativa da União Europeia (UE) para a grande onda imigratória?

Acabar com a fome na África? Não!

Acabar com as guerras imperialistas na Síria; no Iraque, com a ocupação do Afeganistão, do Iêmen, da Somália? Pôr fim aos criminosos bombardeios nesses países e às chamadas “intervenções humanitárias”? Não!

Parar de usurpar as riquezas dos povos africanos e devolver o que roubou nos últimos cinco séculos? Também não!

O plano da União Europeia foi fazer um acordo com a Turquia, entregando ao governo fascista de Erdogan alguns bilhões de euros em troca de que o governo turco impeça que os refugiados e os imigrantes usem este país como porta de entrada para a Europa e que receba todos os imigrantes que forem apanhados em barcos no Mar Egeu – mar que separa a Turquia da Europa. Os governos europeus assumem somente a responsabilidade de acolher os refugiados sírios que entrarem por “caminhos seguros e legais”. Por essas e outras, tal acordo foi corretamente qualificado pela insuspeita organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) como “um dos exemplos mais claros de cinismo no mundo”.

É de se perguntar: o que há de fraternidade e de humanidade nesses atos e nessas decisões tomadas pelos governos europeus (e também pelos EUA) de proibir a uma pessoa o direito de trabalhar dignamente pelo fato de ela ser africana, árabe ou latino-americana?

Os imigrantes e refugiados que hoje estão na Europa, assim como os haitianos e bolivianos que vieram para o Brasil, são seres humanos como qualquer um de nós. Merecem respeito como qualquer ser humano que chega a um país em busca de uma vida melhor. O fato de estarem sem um teto, com fome, não significa que não são trabalhadores, não são crianças. Ao contrário, necessitam de muito mais apoio e ajuda que uma pessoa que já tem sua casa e seu trabalho.

Tratar os imigrantes e refugiados como fazem os governos capitalistas da Europa e dos EUA é, além de uma covardia, uma total desumanidade.

Novas guerras ou revolução

A existência de milhões de imigrantes e de refugiados no mundo é resultado da profunda crise econômica que desde 2008 vive o regime capitalista, da espoliação econômica e da escravização dos povos africanos, das guerras imperialistas no Oriente Médio e do crescimento do desemprego nos países dependentes da África, da América Latina e da Ásia.

Por isso, a questão dos refugiados e dos imigrantes não é tão somente uma questão de defender o direito ao trabalho, o direito de ir e vir, mas a questão de lutar pelo fim de um sistema econômico e político, que produz cada vez mais guerras, provoca crises econômicas em dezenas de países, e se constitui na causa principal da desigualdade e do sofrimento existentes em nosso planeta. Um regime que explora e massacra bilhões de pessoas, destrói o meio ambiente, pisoteia e desrespeita todos os valores humanos e há muito não consegue sequer garantir o trabalho a seu escravo. É uma questão de lutar para impedir a continuidade desse sistema que infelicita e ameaça a própria sobrevivência da humanidade.

Acabar com esse regime, destruí-lo e construir em seu lugar uma sociedade nova, fraterna e solidária é uma tarefa urgente dos humilhados e explorados, em particular da classe operária. Afinal, todas as tentativas realizadas nos últimos 500 anos para “civilizar o capitalismo” fracassaram e só atrasaram o inevitável caminho que a humanidade precisa trilhar em direção à sociedade comunista.

Com efeito, ao longo dos séculos, o capitalismo demonstrou ser um regime que se caracteriza por ser uma fonte permanente de guerras, conflitos e disputas entre países, e de privilégios para uma minoria cada vez mais reduzida de pessoas em detrimento de bilhões de seres humanos, como comprova recente relatório da Oxfam revelando que o 1% mais rico da população mundial possui mais riquezas do que todo o resto do mundo junto.

Em outras palavras, para acabar com o crescente número de refugiados é preciso acabar com as guerras imperialistas; para pôr fim à atual onda imigratória é preciso acabar com a fome no mundo e para acabar com as guerras e com o desemprego, é preciso suprimir o que os causa, isto é, o sistema capitalista.

Pois bem, para destruir o capitalismo não há outro caminho senão a revolução socialista; afinal, a propriedade privada dos meios de produção constitui a base econômica da sociedade capitalista, e sua continuidade significa a continuidade do próprio capitalismo. Depois, não há nem pode haver no capitalismo uma outra forma de resolver suas contradições a não ser por meio da força, promovendo guerras, destruindo forças produtivas e aumentando a exploração da classe operária. Assim comprovam as atuais guerras imperialistas, as duas grandes guerras mundiais, os milhões de seres humanos que morreram devido a essas guerras, as profundas crises que se sucedem em intervalos cada vez menores nos últimos 200 anos, mas também o acirramento das contradições entre os principais países imperialistas do mundo, particularmente, as disputas pelo Pacífico, pela Ucrânia e Crimeia; a instalação de batalhões e mísseis da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Polônia e nos países bálticos; os modernos navios de guerra inaugurados pela Rússia; a elevação do orçamento militar dos EUA, da China, da Alemanha, do Japão etc.; a fabricação de novas armas nucleares; a crescente rivalidade entre Rússia e China de um lado, e EUA e Inglaterra de outro; a feroz disputa pelos recursos existentes no planeta e por mercados; entre muitas outras evidências, deixam claro que a depender da classe capitalista e de seus governos burgueses, o mundo caminha não para a paz, mas para novas guerras. Façamos nossas, então, as palavras do grande líder da revolução socialista soviética de 1917, Lênin: “É impossível sair da guerra imperialista e do mundo imperialista que a gera inevitavelmente. É impossível sair desse inferno, a não ser por uma luta bolchevique e por uma revolução bolchevique.” (Discurso para o Quarto Aniversário da Revolução de Outubro)

(Lula Falcão, membro do Comitê Central do Partido Comunista Revolucionário e diretor de A Verdade)

¹O Mar Mediterrâneo fica entre a Europa e a África, tendo abertura e comunicação direta com o Oceano Atlântico através do estreito de Gibraltar, e o Oriente Médio como limite oriental.

²A ONU considera imigrante aquele que busca melhores condições de vida em outro país e refugiado alguém que foge de perseguição, conflito ou guerra. Somente os refugiados têm alguma chance de receber asilo dos governos europeus.

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