A violência é inerente ao capitalismo. O fato de uma minoria ser proprietária dos meios de produção e apropriar-se do trabalho de milhões de seres humanos, remunerando-os apenas pelo mínimo necessário para continuarem trabalhando, já uma violência. Lançar outros milhões de seres na miséria, em nome da “modernização produtiva” e da redução de custos, para garantir o lucro máximo, é ignomínia. Mas não é esse o limite. A burguesia conta com o Estado (destacamento de homens armados, no dizer de Engels) para castigar, por meio de agressões, prisões e assassinatos, os operários que aprendem a dizer não e se levantam contra o regime de escravidão assalariada.
Brasil – a classe operária nasce lutando
Quando o Congresso Socialista de Paris propôs a realização no dia 1° de Maio de 1890, de uma jornada mundial de luta pelas oito horas, o Brasil acabava de sair do regime de trabalho escravo e a industrialização dava seus primeiros passos.
Na Colônia, Portugal proibia qualquer atividade fabril, que começou a dar seus primeiros passos no Império em cujo final havia 600 indústrias no país e cresceu nos primeiros anos da República (De 1890 a 1895, instalaram-se 425 novas fábricas). Mas a indústria nascente pouco aproveitou da mão-de-obra escrava, condenando os negros liberados ao subemprego, ao biscate, à marginalidade. A exclusão social produziu a sobrevida nas favelas, nos mocambos e cortiços dos grandes centros urbanos. Uma violência das classes dominantes, que gerou a violência que hoje tanto preocupa a burguesia e os setores médios.
Em 1900, 90% dos operários da indústria eram estrangeiros, predomínio que durou até o fim da 1ª Guerra Mundial (1918). Os salários e as condições de trabalho, péssimos. Jornada de trabalho de onze horas ininterruptas, fábricas instaladas em velhos galpões sem luz, sem ventilação, sem instalação sanitária. A maioria dos trabalhadores contraía doenças infecto-contagiosas, como a tuberculose. Muita exploração do trabalho infantil e maus-tratos contra as crianças: “Muitas mostram-nos equimoses nos braços e nas costas. Algumas apresentam ferimentos produzidos com uma manivela. Há uma com as orelhas feridas por continuados e violentos puxões (….). Trata-se de crianças de 12,13,14 anos”. (jornal O Combate ).
Começa a luta
As reuniões operárias eram proibidas, o 1º de Maio comemorado clandestinamente. No ano de 1907 a Federação Operária de São Paulo enfrentou a repressão, marcou uma manifestação na Praça da Sé, no Dia Internacional dos Trabalhadores. O governo ocupou a praça e os metalúrgicos entraram numa greve que se estendeu a Itu, Campinas, São Bernardo do Campo e Santos. A repressão agiu com prisões, espancamentos e expulsão de operários estrangeiros.
Mas as lutas continuaram, a organização operária cresceu, fundou-se a primeira central sindical, a Confederação Operária Brasileira (COB). Em 1917 uma greve geral parou São Paulo e se estendeu a algumas categorias de outros Estados (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco).
Das greves das duas primeiras décadas do século XX resultaram algumas conquistas: melhorias salariais e de condições de trabalho. As categorias mais organizadas conquistaram a jornada de oito horas, fortaleceram-se e se ampliaram os sindicatos, então organizações livres. Mas já no final de 1917 foi decretado o Estado de sítio, com fechamento de sindicatos e proibição de qualquer reunião pública, prisões e expulsões contínuas. Em 1920, as organizações operárias encontram-se praticamente destruídas.
Na clandestinidade, fundou-se em 1922 o Partido Comunista do Brasil (PCB). Sob o efeito da Revolução bolchevique de 1917, na Rússia, líderes operários aderiram ao marxismo-leninismo, superando as idéias anarquistas, até aí predominantes no movimento operário brasileiro.
Nos anos 20 os brasileiros passaram a ser maioria na classe operária, a organização de classe foi mantida na ilegalidade e começa a surgir uma legislação social (proteção ao trabalho do menor, proteção contra acidentes de trabalho, a primeira lei de férias)
“Revolução de 30”: Uma briga de burgueses
O movimento operário organizado não participou da “revolução” de 30. O Partido Comunista considerava que era uma luta entre dois grupos burgueses, não devendo a classe operária interferir. Na verdade, a burguesia industrial tomou a direção do aparelho de Estado, mas não rompeu com o latifúndio nem com o capital estrangeiro.
O governo de Getúlio Vargas (1930-1945), de caráter nacional-populista, aplicou uma estratégia para conter a classe operária, de um lado atendendo a reivindicações histórias da massa ( extensão da jornada de oito horas a todos os trabalhadores, lei de férias, previdência social, contrato de trabalho-CTPS, até chegar na famosa CLT); de outro lado, enquadrou a organização operária, colocando os sindicatos sob o controle do Ministério do Trabalho, perseguiu, prendeu, torturou e matou lideranças autênticas, com o estabelecimento de uma ditadura feroz denominada Estado Novo (1937).
Redemocratização e domínio do capital estrangeiro
Com a derrubada de Vargas, o capital monopolista estrangeiro retomou o controle da economia brasileira e restabeleceu a democracia burguesa. O movimento operário respirou e realizou em 1946 o segundo congresso sindical nacional, quando fundou a Central Geral dos Trabalhadores Brasileiros (CGTB). Mas já em 1947 o governo Dutra pôs na ilegalidade o PCB e perseguiu as organizações dos trabalhadores.
Com o retorno de Vargas, desta vez eleito em 1950, retomaram-se as mobilizações, tanto de caráter nacionalista (campanha O Petróleo é Nosso, vitoriosa com a criação da Petrobrás), como de caráter operário e popular. Houve entre outras a greve de 300 mil trabalhadores de diversas categorias em São Paulo (1953) e em 1954 as greves movimentaram um milhão de trabalhadores em todo o país, conquistando vários aumentos salariais e outras reivindicações específicas. Criou-se o Comando Geral dos Trabalhadores – CGT.
O golpe civil-militar de 1964 pôs fim ao projeto nacional-populista, enterrando a possibilidade de implantação de um modelo de capitalismo autônomo. Ficou claro que a expansão do capital não permitiria mais a autonomia de nenhum país periférico. Ao apelo do CGT por uma greve geral de resistência ao golpe , só responderam positivamente os operários da Mina de Morro Velho (MG). 350 sindicatos, 22 federações e seis confederações sofreram intervenção. Houve prisão, exílio e morte de líderes operários.
Luta operária sob a ditadura militar
A Ditadura militar não calou os operários. Nunca deixaram de existir manifestações de insatisfação, com o boicote da produção (operações tartarugas) e em 1968, irromperam três greves: a dos trabalhadores canavieiros do Cabo (PE) e metalúrgicos de João Monlevade (MG) e Osasco (SP). Em Osasco a repressão bateu forte. Houve prisões em massa, Dois líderes dessa greve foram posteriormente, um exilado (José Ibrahim) e outro, assassinado (José Campos Barreto, o Zequinha) em companhia de Lamarca (V. nesta edição, o herói do povo brasileiro).
A edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), o golpe dentro do golpe, levou à prisão, à tortura, ao exílio e á morte, dezenas de lideranças estudantis, operárias e populares.
A Retomada
A retomada das greves de massa deu-se em 1978, no ABC paulista, especialmente em São Bernardo do Campo, onde se concentrou a indústria automobilística. Tudo começou com a bandeira de reposição salarial de 34%, como combate ao arrocho salarial estabelecido pela ditadura em favor do grande capital .
Em 1979, o governo interveio nos sindicatos do ABC e deteve lideranças, mas a luta continuou e realizou-se nesse ano a maior concentração de 1º de maio na história do país.Perante um número calculado entre 150 e 200 mil pessoas, no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo, O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos Luiz Inácio da Silva, o Lula, declarou: “Pensaram que iam acabar com o movimento sindical do ABC, intervindo nos sindicatos e se esqueceram que o sindicato não é o prédio, mas o sindicato são os trabalhadores dentro das fábricas, organizados”.
As lutas da década de 80 e o caso de Volta Redonda
A década de 80 teve grandes mobilizações de trabalhadores em todo o país, especialmente entre os metalúrgicos, canavieiros e bancários. Criaram-se a CUT, resultante dessa retomada lutas e outras centrais sindicais, lideradas por dirigentes sindicais mais conciliadores e burocráticos.
Em 1985, termina a ditadura, começa a chamada Nova República. Para os trabalhadores, a mudança apenas significou a troca da roupa (a farda pelo terno), pois na prática teve continuidade a mesma política de arrocho salarial, bem como a repressão.
Sintomática dessa fase foi a greve dos operários da Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda (RJ), em 1988, ano em que foi promulgada a nova Constituição. O Exército invadiu a usina, metralhando os operários. Feriu 46 e matou dois: William Fernandes Leite, 22 anos e Valmir Freitas Monteiro, 27 anos. Apesar dessa violência, a greve continuou e os operários conquistaram a jornada de seis horas.
No dia 1º de maio de 1989 foi inaugurado um memorial projetado pelo famoso arquiteto Oscar Niemeyer em homenagem aos dois operários assassinados. No dia seguinte, um Comando do Exército explodiu o monumento, depois reconstruído pelos trabalhadores com suas próprias mãos, pois nenhuma empresa quis fazer o serviço, com medo das ameaças.
A década de 80 foi marcada também por um crescente número de assassinatos de dirigentes e delegados sindicais na zona canavieira de Pernambuco. ( Sobre a violência no campo, V. A Verdade, nº 24)
O recuo e a conciliação do sindicalismo
Desde a década de noventa vem ocorrendo uma mudança de rumo no movimento sindical brasileiro, caracterizado por um recuo das lideranças, inclusive de setores da própria CUT, diante da expansão mundial do capital (globalização), com seus tentáculos demolidores: informatização e robotização nas indústrias, levando a demissões em massa e crescimento do capital especulativo, que gera riquezas sem passar pelo investimento na produção, sem utilizar, pois, a força de trabalho humana.
Diante disso, em vez de intensificar a mobilização e a organização dos trabalhadores, estimulando e articulando a luta dos que estão na ativa com a dos excluídos, os sindicatos, salvo exceções, estão na defensiva e em alguns casos, se transformando em sócios do capital, ajudando a gerir a crise do sistema (câmaras setoriais, comissões de conciliação, círculos de controle de qualidade, etc.). Se antes, a estratégia era mobilizar para poder negociar em posição de força, agora a tática se inverte: negociar até a exaustão e só mobilizar em última instância, se mobilizar…
A violência continua
Mesmo assim, a violência não pára. Basta o menor sinal de retomada das lutas, para o braço armado da burguesia agir. Bastou a CUT convocar a greve nacional do dia 21 de março, em defesa da CLT, para a sede da Central ser invadida por dez homens armados que levaram documentos, computadores e bagunçaram tudo. Nas manifestações do 21 de março a repressão esteve presente e em Camaçari (BA), policiais espancaram e prenderam 15 dirigentes sindicais.
Só haverá paz sem exploração do homem pelo homem
Assim tem sido a História da classe operária no Brasil (e no mundo), uma história de luta de classes, marcada por muito, sangue e suor. E continuará sendo, apesar do avanço do capital, dos equívocos e traições de dirigentes. Até o dia em que não mais existir a exploração do homem pelo homem, a propriedade for social, coletiva, as riquezas produzidas servirem para cada um segundo as suas necessidades e as relações forem de solidariedade e cooperação. Só então a humanidade terá paz.
Retirado de A Verdade, nº 28
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