Manoel Lisboa de Moura (Galego)

Manoel Lisboa de Moura era conhecido por seus companheiros como Galego, Celso, Zé, Mário e outros nomes. Nenhum capricho. Era preciso despistar os agentes da ditadura militar que o perseguiam desde que a ditadura se instalara no país em 1º de abril de 1964.

Por que ele era um dos homens mais temidos pelo regime fascista, que impôs ao povo brasileiro uma longa noite de terror? Deixemos que o jovem herói fale um pouco de sua própria história.

Herói do PCR

“Meu despertar para as questões sociais apareceu quando eu tinha a idade de 17 anos. Iniciei-me nesses estudos à medida que ia vendo os erros cometidos pelas administrações dos governos daquela época. Paralelamente, tive a curiosidade despertada para o marxismo, em virtude do alarde que sempre se fez em torno do socialismo como sendo um perigo. Por outro lado, o avanço das idéias do socialismo no mundo atual é um fato bastante comprovado. Os livros que falam do assunto acima referido infestavam todas as livrarias. À medida que ia tomando conhecimento do conteúdo dessas obras, ia relacionando-o com os fatos cotidianos e chegando à conclusão de que nada de perigoso e tremendo ali existia, mas sim uma análise profunda e bem feita dos fatos econômico-sociais. Continuei nos estudos e, aos 19 anos, considerei-me marxista-leninista. Em 1964, fui indiciado por vender livros e revistas em uma pequena livraria. Fui libertado após 15 dias de prisão.” (Depoimento prestado por ocasião de sua segunda prisão, em 12 de agosto de 1965)

A juventude

Vamos completar a história, já que ele não tinha nenhum motivo para revelar à repressão militar sua ação política. Manoel Lisboa de Moura nasceu em Maceió, estado de Alagoas, no dia 21 de fevereiro de 1944, filho de Augusto de Moura Castro, oficial da Marinha, e de Iracilda Lisboa de Moura. Sua formação político-ideológica não se deu apenas por meio de leituras, nem sua prisão ocorreu simplesmente por ele vender livros proibidos. Ainda adolescente, organizou o grêmio do antigo Liceu Alagoano, depois Colégio Estadual. Foi diretor da União dos Estudantes Secundaristas de Alagoas (Uesa) e, aos16 anos, ingressou na Juventude Comunista do PCB. Como universitário, organizou o Centro Popular de Cultura da UNE (CPC) em Maceió, apresentou e dirigiu peças de teatro, envolvendo, inclusive, operários da estiva.

O Golpe Militar de 1964 o encontrou cursando Medicina na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), de onde o expulsou, cassando-lhe os direitos políticos. Nessa ocasião, pertencia ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), organização criada em 1962 diante da linha reformista adotada pelo velho “Partidão” desde o 20º Congresso do PC da União Soviética, fato que provocou a cisão dos militantes.

Lisboa transferiu-se para o Recife, onde continuou na luta revolucionária. Trabalhava na Companhia de Eletrificação Rural do Nordeste (Cerne). Em julho de 1966, foi novamente preso, logo após o atentado contra o ditador de plantão, marechal Artur da Costa e Silva, ocorrido no Aeroporto dos Guararapes. A polícia não conseguiu incriminá-lo, pois o inquérito comprovou que ele, no momento do ocorrido, estava trabalhando na Cerne com seu irmão, engenheiro e capitão do Exército. Posto em liberdade quatro dias depois, concluiu que não era possível continuar levando uma vida legal e dedicar-se à causa revolucionária, optando então pela vida clandestina.

Em meados de 1966, Manoel Lisboa resolveu sair do PCdoB por constatar que o partido se diferenciava do PCB apenas na teoria, enquanto na prática seguia o mesmo caminho reformista, além de desprezar o Nordeste e praticar métodos de direção incorretos. Por exemplo: em vez de dialogar com os militantes de base, ao receber críticas ao seu trabalho, a direção desenvolvia campanha de desmoralização com calúnias contra aqueles que questionavam alguma de suas atitudes.

Dezembro de 1966: Manoel Lisboa, Amaro Luiz de Carvalho, o Capivara (ver A Verdade, nº 9), Ricardo Zarattini Filho (engenheiro, banido do Brasil em 1969 depois do seqüestro do embaixador estadunidense) e outros companheiros fundaram o Partido Comunista Revolucionário (PCR).

Apesar das duras condições da luta clandestina, o PCR procurou ligar-se às massas camponesas, operárias e estudantis em todo o Nordeste. Para isso, desenvolvia trabalho de conscientização na base e intensa campanha de denúncias das arbitrariedades e crimes cometidos contra os trabalhadores, conclamando o povo para organizar-se e lutar por seus direitos. O Partido propunha a utilização de todas as formas de luta, legais e ilegais, abertas ou clandestinas, destacando a luta armada como a única capaz de destruir realmente a ditadura, desde que contasse com o apoio, a compreensão e a simpatia do povo.

A libertação do povo acima de tudo

No dia 16 de agosto de 1973, a repressão conseguiu seu intento. Quando conversava com uma operária, a quem dava assistência política na Praça Ian Flemming, no bairro de Rosarinho, Manoel Lisboa foi agarrado por um bando de fascistas, sob as ordens do agente Luís Miranda e do delegado paulista Sérgio Fleury, algemado, arrastado para um veículo e conduzido para o DOI-Codi do 4º Exército, então situado no Parque 13 de Maio. Fortunata, a operária, presenciou a cena. “Foi uma verdadeira operação de guerra. Quando um homem se aproximou, ele fez menção de pegar a arma, mas foi inútil. De todos os lados da praça surgiam homens. Carros e carros surgiram”.

Numa de suas belas e contundentes canções, o compositor e cantor Zé Ramalho afirma que “na tortura toda carne se trai”. Errado. Manoel Lisboa foi submetido a todo tipo de tortura. Despido, pendurado no pau-de-arara, espancado por todo o corpo, choques elétricos no pênis, nas mãos, nos pés, nas orelhas, queimado com vela, logo nos primeiros dias perdeu a sensibilidade dos membros inferiores. Não podia se locomover nem se alimentar.

Manoel sabia tudo da organização. Era seu dirigente máximo, conhecia todos os segredos. Um segundo de vacilação e o PCR estaria completamente aniquilado. Mas ele foi coerente com o que sempre pregara: “Delação é traição e a traição é pior do que a morte. O revolucionário é como um prisioneiro de guerra; só declina o próprio nome. A causa revolucionária, a democracia, a libertação nacional, o socialismo estão acima da própria vida”. Maria do Carmo Tomaz e Juarez José Gomes viram-no cheio de hematomas e ouviram seus gritos. Outros prisioneiros chegaram a falar com ele, que disse: “Sei que minha hora chegou; fiz o que pude; a vocês, peço apenas que continuem o trabalho do Partido”.

Num certo dia do mês de setembro, ela não recorda a data, Maria do Carmo Tomaz foi levada a uma câmara de tortura, onde lhe deram a notícia da morte de Manoel Lisboa e afirmaram: “Um igual àquele vocês não vão encontrar nunca mais”. Enganaram-se. Na luta do povo, no seio do Partido que fundou e dirigiu, diariamente se forjam revolucionários da têmpera de Manoel Lisboa, à luz do seu exemplo, regados pelo seu sangue.

No dia 5 de setembro, os jornais do Recife e os principais jornais do país publicaram nota que dizia: “Durante tiroteio com os órgãos de segurança interna, morreram na manhã de ontem em Moema, São Paulo, os terroristas Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos, que fizeram parte do atentado ao marechal Costa e Silva, então presidente da República, em visita ao Recife, em 1966”.

A farsa foi facilmente desmontada. Emmanuel Bezerra estava em missão do Partido no exterior e encontrar-se-ia com Lisboa no Recife, no dia 15 de setembro. Preso pela Operação Condor, provavelmente na fronteira entre Argentina e Chile, Bezerra foi conduzido ao DOI-Codi de São Paulo, torturado e morto por não abrir as informações de que a repressão precisava para destruir o Partido. Fleury levou Manoel Lisboa para São Paulo apenas para montar a farsa. A vida mostrou, entretanto, que os verdadeiros terroristas eram Fleury e Miranda, e que, Manoel Lisboa e Emanuel Bezerra são heróis do povo.

Manoel tinha amor à vida. Era feliz, tanto por sua militância, como por sua vida pessoal. Tinha uma companheira, Selma Bandeira, com quem mantinha relação amorosa plena, baseada não apenas em afinidades, mas na militância revolucionária comum. Um amor comunista. Mas a tudo isso ele renunciou, confirmando a tese de Che Guevara, de que “o verdadeiro revolucionário é movido por grandes sentimentos de amor”, um amor maior, pela humanidade, livre das opressões e das injustiças.

Manoel Lisboa vive! Viva o PCR!

Manoel volta para os braços dos seus. Familiares, amigos, companheiros, recebido no Recife e em Maceió, cidades onde viveu e lutou, deu o melhor de si pela causa da liberdade e do socialismo. Homenageado pelo Partido que fundou e que, graças à sua bravura, sobreviveu à sanha da ditadura, fortalecendo a cada dia a sua organização e ampliando a ligação com as massas, como defendia seu fundador.

Manoel Lisboa vive!

“No dia em que fui presa, me colocaram frente a frente com ele. Estava totalmente nu, com bastante hematomas. Ele fixou os olhos em mim e nada falou. Me arrasei quando o vi. Depois fiquei numa cela vizinha, ouvindo os seus gritos. Durante muito tempo pensei que ia enlouquecer, não conseguia me libertar daqueles gritos de dor. Seu comportamento causou admiração até mesmo aos seus torturadores. Num certo dia do mês de setembro, me levaram a uma câmara de tortura e me deram a triste notícia de que Manoel estava morto. Ficaram me olhando e disseram: “Um igual àquele vocês não vão encontrar”. Senti vontade de cuspir na cara de cada um, me deu um ódio”.

Maria do Carmo Tomaz, operária

“De Manoel, afirmo com emoção: nunca vi uma atitude sua que revelasse desonestidade ou egoísmo. Quantas vezes o presenciei cansado, oferecer sua cama a um companheiro e dormir no chão. Na sua primeira prisão, deu sua camisa a uma prisioneiro que tremia de frio. Fazia essas coisas naturalmente, sem alarde, era da sua índole.

Manoel, sozinho, indefeso, desmoralizou os carrascos, superou sua força vital; pelo conjunto de sua vida, demonstrou ser o produto da elaboração histórica, que em sua forja misteriosa elabora, de tempos em tempos, homens que sintetizam as qualidades mais nobres da espécie. A ti, Manoel, a homenagem modesta deste teu amigo que se sente feliz por essa amizade e proclama ao mundo: És um HOMEM DE VERDADE, tua única ambição.”

Valmir Costa, médico veterinário

“Manoel ou o “Camarada Zé” foi além de todos os limites. Passou por todos os sofrimentos físicos e psicológicos, possíveis e imagináveis. Assistiu por dias e dias a sua própria agonia. Se viu e sentiu morrer lentamente. Superou tudo. Derrotou tudo. A tortura, a dor, o medo, a própria morte. Venceu a natureza e o instinto de sobrevivência. Ninguém, nunca, em tempo algum, poderá afirmar os valores maiores da condição humana, além do que fez o “Camarada Zé”. Lembramos sempre dele. Com saudade, com tristeza, com alegria, com emoção. Às vezes, choro escondido uma lágrima solitária, por sua memória. E em alguma madrugada, tenho vontade de sair pelas ruas, pichando em sua homenagem seu slogan favorito: ” O PCR vive e luta”!

José Nivaldo, publicitário e professor de História da UFPE

“Em Manoel Lisboa, a coerência não era algo ocasional. Era uma permanente forma de conduta. Desde aquela sua opção, ele nunca se afastara, um milímetro sequer, da disciplina coletiva, da dialética marxista, enfim, do socialismo científico, como ciência e guia da sua ação diária. Por isso, nós sempre vimos na figura de Manoel o símbolo vivo do novo homem entre nós, e ele o confirmou, sem qualquer sombra de dúvida, até o último instante da sua vida, mesmo nas piores situações possíveis, como na câmara de tortura.”.

Edival Nunes Cajá, presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa e membro do Comitê Central do PCR

“Manoel é exemplo de um verdadeiro revolucionário, que não vacilava em colocar os interesses de seu povo e da revolução acima dos interesses pessoais. Homens como Manoel são os que fazem a diferença, e como, disse Brecht, são os imprescindíveis. É um orgulho e uma honra para todo comunista ser membro do PCR, o Partido fundado por Manoel Lisboa”.

Lula Falcão, diretor de e A Verdade e membro do Comitê Central do PCR

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